Polícia descobre quadrilha que comandava times inteiros no Sul para manipular resultados e lucrar em opostas

Cinco clubes são investigados por terem sido usados por criminosos para uma…


Fonte: ESPN

Polícia descobre quadrilha que comandava times inteiros no Sul para manipular resultados e lucrar em opostas
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Uma denúncia feita pela Federação Gaúcha de Futebol à polícia civil do Rio Grande do Sul acabou sendo o ponto de partida para que um esquema diferente de manipulação de jogos, visando o lucro em site de apostas, fosse descoberto. Os criminosos agem dentro dos clubes, arrendando equipes de menor expressão e em campeonatos amadores do Estado, inclusive com a ajuda de profissionais selecionados, tanto para trabalhar na comissão técnica como dentro do elenco. Depois que conseguem os resultados abandonam essas agremiações e repetem o ciclo em outro lugar.

"A Federação Gaúcha trouxe ao nosso conhecimento informações que indicavam que clubes de competições que ela gerenciava não objetivavam entrar para ganhar. Eles ingressavam nesses torneios para simular resultados", disse à ESPN o delegado Gabriel Bicca, que atua na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia do Rio Grande do Sul.

Nessa semana, a investigação iniciou a terceira fase, chamada de Operação Bet. Ao todo, foram 20 ordens judiciais, sendo 11 mandados de busca e apreensão e nove ordens de busca pessoal.

Cinco cidades do Rio Grande do Sul foram alvo da operação: Porto Alegre, Pelotas, Canoas, Capão da Canoa e Nova Prata. Ainda não houve prisões nem denúncia ao Ministério Público.

Os nomes dos investigados é mantido em sigilo pela polícia civil para não atrapalhar o trabalho já feito e sua sequência. Entre as equipes envolvidas estão o Sapucaiense, o Tamoio, o Santo Ângelo, o Farroupilha, de Pelotas, e o Orleans, este de Santa Catarina e o único fora do Rio Grande do Sul.

A operação também tem mapeado campeonatos profissionais de futebol.

"A gente quer alcançar o máximo de pessoas que em algum momento aderiram a esse tipo de comportamento e buscavam auferir seus lucros, digamos assim, nas casas de aposta e gerar a responsabilização delas porque todo mundo contribuiu para que isso acontecesse. Não é só o zagueiro que faz o pênalti lá, que faz corpo mole, ou que faz gol contra", disse o delegado.

"Por detrás de tudo isso tem a questão de empresários, investidores. Um pessoal que a gente já diagnosticou que captavam interessados no mercado: "Vem aqui que eu tenho uma carteira de negócios de alto rendimento". Então, geravam uma operação financeira. A pessoa entregava um valor e falava: "Eu quero o dobro, o triplo". Isso só era possível porque lá na ponta, onde a partida acontecia, havia a certeza que o jogo ia ser conforme o interesse do pessoal que gerenciava essa questão", completou.

O trabalho todo teve início há quase dois anos. A investigação foi direcionada para agir em cima dos casos que causavam suspeita à Federação Gaúcha de Futebol entre 2020 e 2021.

Naquele momento ainda não se falava de manipulação de lances ou do jogo em si por jogadores aliciados por apostadores no Brasil. Casos assim explodiram na mídia no final do ano passado, inclusive após uma forte denúncia do Ministério Público de Goiás, com a operação Penalidade Máxima.

"[No Rio Grande do Sul] Alguém mandava um lance [à FGF] indicando um zagueiro fazendo um gol contra proposital. [Outro lance] Era uma saída de bola da defesa [errada], de uma forma deliberada para o atacante [adversário] marcar um gol. Aconteceu de um jogador que foi eleito o melhor da partida ir à rede social e dizer: "Olha, eu me sinto envergonhado de receber este prêmio porque visualizei na equipe adversária um comportamento de ausência de competitividade". A Federação foi juntando esses fatos, contratou uma consultoria famosa, que já trabalha com a Fifa no monitoramento de partidas, e a partir daí começaram a nos trazer informações para a investigação", disse o delegado.

Ao estudar o tema no Sul, a polícia civil gaúcha entendeu que o cenário era bem mais complexo e organizado do que se imaginava. Empresários que se apresentavam como investidores conseguiam assumir a gestão de futebol de clubes de menor expressão, sem mídia e geralmente sem um número significativo de torcedores, com um projeto de revelar jovens e obter lucro e retorno à agremiação.

Assim era dito publicamente. Mas na prática os clubes eram utilizados como plataforma para manipulação de situações de jogo e até resultados. Ao final da temporada ou até antes disso, após derrotas por placares incomuns e situações suspeitas, além de lances forçados (como pênaltis, cartões em momentos pré-determinados, escanteios etc.), abandonavam a agremiação.

"A utilização de clubes para essa finalidade tinha uma dinamicidade muito grande. Diferentemente dos clubes de futebol tradicionais que são constituídos para competir, formar jogadores e buscar bons resultados, essas equipes investigadas tinham uma característica quase que efêmera. Elas não ficavam na cidade, não treinavam onde o time tinha sede. Os jogadores e a comissão técnica [escolhidos] não tinham um vínculo. Não tinha a questão da camisa, sabe? São times com torcidas pequenas. A gente enfrentou uma dificuldade porque às vezes não sabia onde é que esse clube treinava e, quando alcançava esses lugares, os jogadores já não eram mais os mesmos, a comissão técnica não era mais a mesma. Já tinha se desfeito a questão do arrendamento, e os investidores tinham partido", disse o delegado.

A polícia investiu em um trabalho de inteligência para antecipar a ação dos criminosos. Foi quando novamente constatou que se tratava de um grupo muito estruturado no crime.

"Nós tentamos mudar a estratégia para antecipar algumas possíveis denúncias de que haveria exploração e tentar atuar no estádio e nos vestiários, mas havia uma rede de informações que percebia que a polícia ia atuar ou que alguém tinha denunciado e aí aquela situação já não se concretizava naquela partida que a gente estava monitorando", disse Gabriel Bicca.

O que acabou ajudando a investigação foi justamente a revolta de jogadores que não queriam participar desses esquemas de manipulação e se sentiam prejudicados, pois os campeonatos amadores em que jogavam estavam em descrédito por causa das manipulações.

"Os jogadores entenderam que, com aquele cenário de manipulação de resultados, eles não iriam alcançar esses objetivos. Os clubes também não. Até a competição ia ser sacrificada porque você teria ali, em um universo de dez times, três, quatro ou cinco, talvez, que entravam com essas finalidades escusas, que é de ser um time perdedor, um time que entrega resultados, com zagueiro que faz pênalti desnecessariamente, com atacante que chuta a bola contra o próprio arco. Aí percebemos que era preciso mais energia na investigação", disse o delegado.

A investigação acabou se beneficiando do próprio incômodo de jogadores, que passaram a denunciar casos dentro de suas equipes ou em adversários. Quase na mesma época explodiram na mídia jogadores aliciados por apostadores em jogos de Campeonato Brasileiro e estaduais.

Em comum com esses casos em outros estados, a polícia civil gaúcha identificou que os aliciadores buscavam também jogadores em situação vulnerável, geralmente jovens de origem pobre, em que famílias enfrentam dificuldades financeiras, e que estavam em clubes precários. Entenda-se salário ou ajuda de custo muito baixo, sem alojamento, sem estrutura profissional para o desenvolvimento em treinos e jogos e, portanto, sem visibilidade. A diferença é que no Rio Grande do Sul o jogador aliciado entrava em uma equipe já "estruturada" para a "indústria" de manipulação de jogos.

"A gente identificou que, desde o início, o projeto daquele que começou na categoria amadora e acabou alcançando um profissional não era ter um time vencedor. O projeto não era formar atletas para vender no mercado. O projeto era um vai lá, destrói a instituição, faz o que dá para que a gente ganhe bastante dinheiro em casas de aposta. Então, entrega o jogo, sofre gol, faz pênalti. Isso aí tudo tinha um cenário de extrema debilidade institucional", disse o delegado.

"O guri novo quer ser jogador. Então, ele se submete a situações que não são as ideais, né? Não recebe remuneração. Ele busca se colocar no time para ter uma oportunidade de jogar uma competição. E nessa competição talvez ter um lance que chame atenção de algum empresário. E aí, o que acontece? Ele vê que é uma armadilha. Uma armadilha porque alguns colegas de campo estão mancomunados com o pessoal que quer obter essas vantagens. O empresário quer formar um grupo de jogadores que ele possa migrar depois nesse tipo de esquema, entendeu?", acrescentou.

"O jovem fica refém dessa situação porque daqui a pouco alguém vem e diz: "Olha, se tu não fizer, não vai ter espaço". Aí ele pensa: "Eu vou me indispor com eles? Talvez feche o mercado para mim porque, pelo que eu estou vendo, tá todo mundo fazendo essa besteira".".

O resultado, como dito pelo delegado, é devastador para o futebol. Corrompe atletas, mácula campeonatos e desmoraliza clubes. O que provoca uma reflexão: qual será o efeito futuro disso tudo?

"Essas pessoas mancham a camisa do clube, jogam a história dele na latrina e somem. E temos no Rio Grande do Sul instituições tradicionais. Existe até aquela questão que o time mais antigo do Brasil [Rio Grande] é daqui. Temos instituições bem tradicionais. Só que por essas questões de futebol, onde um dia você está no alto e no outro em baixa, os dirigentes, para sobreviver, acabam buscando esses investidores para manter um pouco de atividade e aí acabam por vezes descobrindo assim essa situação ou por vezes até aderindo a isso, porque não há o que fazer. Muitas vezes não se pensa que isso aí está acabando com o futebol, no sentido de que a gente não vai ter mais bons jogadores competitivos, não vai revelar jogadores, ter destaques", finalizou o delegado.



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